3 de setembro de 2010

Sítio Arqueológico São Francisco

[AQUI
 VESTÍGIOS ARQUEOLÓGICOS E FONTES DOCUMENTAIS – O CASO SÍTIO ARQUEOLÓGICO SÃO FRANCISCO 01
Aline Mazza e Salles1, Profº Ms. Wagner Gomes Bornal2
1Unimódulo – Centro Universitário/Departamento de História, Rua Frei Pacífico Wagner, nº 653, alinemazza2@ig.com.br
2Prefeitura Municipal de São Sebastião/Departamento Patrimônio Histórico, Av. Dr. Altino Arantes, nº 174, deppat@saosebastiao.sp.gov.br

Resumo- Palco de grandes transações comerciais, São Sebastião foi destaque na economia nacional dos séculos XVIII e XIX. A instalação de inúmeras propriedades agrícolas favoreceram seu desenvolvimento e promoveram a riqueza da região porém, muitas destas unidades de produção declinaram ao fim do sistema escravocrata, em 1888, sendo abandonadas repentinamente. Exemplo disso é o Sítio Arqueológico São Francisco 01, objeto de estudo desta pesquisa que objetiva, através da coleta de fontes orais e documentais, buscar informações precisas sobre os segmentos sociais que ocuparam essa instalação, sua real função econômica e o verdadeiro motivo de seu abandono.

Palavras-chave: sítio arqueológico, memória oral, fontes documentais.

Introdução
Com a chegada do europeu ao Novo Mundo, houve a necessidade do homem adaptar-se ao “novo meio” e desenvolver técnicas de produção que resultassem no aproveitamento econômico das planícies costeiras, como foi o caso de Sâo Sebastião, no Litoral Norte de São Paulo. Dentre as tantas atividades que marcaram a história do município, a indústria açucareira, durante os séculos XVII e XVIII foi responsável pelo aparecimento de inúmeras unidades de produção agrícola. Posteriormente, foram adaptadas para o plantio do café, que superou as expectativas dos proprietários, contribuindo novamente para a riqueza da região.
Com o fim do sistema escravocrata em 1888, São Sebastião conhece uma fase de estagnação econômica bem como a diminuição da lavoura e comércio; o empobrecimento da população que volta-se para atividades mais diversificadas, entre elas a pesca artesanal, as lavouras de milho, mandioca, feijão etc. Esses fatores desencadearam o declínio de diversas propriedades agrícolas e consequentemente o abandono de muitas delas, o que constitui um sério problema quando se pretende realizar um estudo mais aprofundado da região. Convém frisar que, grande parte da documentação a cerca da história do município acabou sendo extraviada ou até mesmo destruída, principalmente quando sugeria atividade de cunho clandestino, como é o caso do Sítio Arqueológico São Francisco 01. Os vestígios arqueológicos encontrados em seus limites, a ausência de fontes documentais que faça referência ao local, são fortes indícios de clandestinidade. Conforme ressalta Márcia Merlo: “(...) remonta ao tráfico clandestino dos negros. Tudo leva a crer que não era uma fazenda de café, mas sim um mercado de escravo que abastecia a região, o Vale do Paraíba, quem sabe, até o Oeste Paulista”.Depoimentos orais de antigos moradores da região, caracterizam as construções como sendo restos de uma “antiga fazenda, propriedade de um senhor de muita riqueza e grande número de escravos”.

A Lenda
“Reza a crença que o proprietário, homem muito rico, de nome Joaquim Pedro, fez um pacto com o demônio, prendendo-o numa garrafa. Enquanto estivesse preso, o fazendeiro prosperidade e não morreria. Num dia, enquanto estava no canal de São Sebastião, sua mulher, desavisadamente, abre a garrafa, libertando o capeta. No mesmo instante, Joaquim Pedro morre. Seu corpo é levado à sede da Fazenda. Durante o velório, á noite, ouve-se grande estrondo, seguido de escuridão completa. Sobre o telhado, aparece o diabo carregando o corpo do falecido. Diante da terrível cena, todos fogem apavorados. Como funeral simbólico, enterram um pé de bananeira no lugar do corpo. O local passa a ser abominado pelos locais e é abandonado para sempre”. (BORNAL. 2004, Comunicação pessoal).
Com base nesse pressuposto e, reconhecendo o potencial informativo das fontes orais e documentais como recursos esclarecedores das lacunas existentes, esta pesquisa tem por objetivo a coleta e análise documental, que forneçam informações significativas a respeito dos setores sócio-culturais que ocuparam aquelas instalações no passado, aptos a referenciar a pesquisa arqueológica ora em andamento.

Metodologia
A metodologia de pesquisa ora aplicada combina o recurso à memória oral, a investigação bibliográfica e arquivística. A primeira etapa constitui-se da coleta de depoimentos orais de moradores antigos do Bairro São Francisco da Praia, local onde está localizado o sítio em estudo, que transmitem suas crenças, mitos e lendas através de oralidades; para tal finalidade, será aplicado o procedimento da História Oral Temática, que consiste na técnica de entrevistas e procedimentos articulados entre si que garantam o registro da narração da experiência humana.
Interpretar depoimentos de indivíduos de qualquer grupo, não é possível sem que se tenha um referencial teórico sobre a cultura do grupo e suas transformações no decorrer do tempo, portanto, qualquer estudo feito em um determinado grupo deve analisar seus processos históricos e sua significação. A definição de memória bem como sua distinção da história é uma discussão presente nos últimos anos. Pierre Nora defende que " a memória é a vida, e está em permanente evolução, aberta a dialética da lembrança e do esquecimento(...). É um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente(...) se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem no objeto(...)" (NORA, 1993:9). Para ele a necessidade da memória está ligada à necessidade da história, e que neste sentido a "memória dita e a história escreve". (NORA,1993:24).
Quanto à investigação bibliográfica cabe ressaltar que, a pesquisa está sendo norteada pelo primeiro trabalho científico e acadêmico realizado sobre o objeto de estudo que consiste na Dissertação de Mestrado: SÍTIO HISTÓRICO SÃO FRANCISCO 01 – CONTRIBUIÇÃO À ARQUEOLOGIA HISTÓRICA, do orientador deste trabalho, Profº Ms. Wagner Gomes Bornal, que também é o arqueólogo responsável pelo sítio em estudo desde 1995. As demais fontes bibliográficas estão sendo acrescentadas conforme a necessidade.
No que concerne a investigação arquivística, foi adotada a seguinte estratégia: coleta de fontes documentais que mencionem semelhanças com a lenda corrente, o nome de Joaquim Pedro, o senhor de escravos, e todos que apresentarem alguma relação com o mesmo. As fontes documentais estão sendo coletadas dos Livros de Óbitos e Casamento no Arquivo Municipal de São Sebastião, Cartório de Notas do Município, Listas Nominativas (maços de população), que fornecem referências sobre as produções de antigas fazendas da região, bem como os nomes de seus respectivos proprietários e Cúria de Diocesana de Caraguatatuba.

                                           Figura 1 - Certidão de casamento de Joaquim Pedro

Resultados
O desenvolvimento do trabalho acabou por comprovar a existência de Joaquim Pedro e de sua esposa Anna da Cunha, com base nas fontes documentais descobertas através da investigação arquivística. Curiosamente, o auto de casamento menciona que o matrimônio se deu por motivo de “cópula ilícita”, bem como vem revelar que Anna da Cunha descende dos “Escobar”, uma família de posses de São Sebastião e que por sua vez, mantinha terras na região da Figueira e Bairro São Francisco, localidades que acomodam o sítio em questão. Ainda traz indícios de que o casamento provavelmente foi realizado sigilosamente e, sem o consentimento familiar.

Discussão
Os argumentos passíveis de discussão giram em torno da relação que o “lendário” Joaquim Pedro poderia manter com as terras em questão. Apesar de ser citado diversas vezes como senhor de posses, nos Registro constantes no Cartório de Notas, inexiste documentação que comprove a sua relação com o Sítio Arqueológico São Francisco 01. Todavia, o casamento de Joaquim Pedro com Anna da Cunha, descendente dos Escobar, fornece fortes indícios que convergem para a possível realidade de ter sido Joaquim Pedro o guardião das terras mencionadas, corroborando com as afirmações obtidas através de depoimentos orais dos antigos moradores da região.

Conclusão
Por fim, conclui-se que as fontes documentais passíveis de consulta compõe um conjunto de informações que podem ser exploradas, confrontadas e complementadas entre si. Prova-se que o estudo investigativo da história pode ser enriquecido sob diferentes olhares, assim com um leque de possibilidades, frente a diversidade de experiências vividas. Vestígios arqueológicos, munidos de memória rumam a outras epistemologias, que submetidos a uma somática acareadora, reproduzem com maior fidelidade e riqueza, aspectos da vida social, cultural e econômica do Sítio Arqueológico São Francisco 01.

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