7 de outubro de 2011

Casa onde foi fundada a umbanda, em São Gonçalo, será demolida esta semana

A estrutura metálica já está pronta para receber o telhado do novo galpão que vai ocupar o número 30 da Rua Floriano Peixoto, em Neves, São Gonçalo. Dentro do terreno, uma casinha centenária aguarda a demolição marcada, segundo o proprietário, ainda para esta semana. Poderia ser uma simples obra, não fosse um detalhe: a casa rosa, com a pintura já castigada pelos anos, é a última testemunha do nascimento da umbanda.

    Foi no imóvel — que ocupava o centro de uma chácara, no início do século 20 —, que Zélio Fernandino de Moraes, então com 17 anos, dirigiu a primeira sessão da religião. Era 16 de novembro de 1908. A umbanda é a única manifestação religiosa 100% brasileira.
A demolição nos deixa muito decepcionados, pois perdemos uma referência da chegada da mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas — diz Pedro Miranda, presidente da União Espiritista de Umbanda do Brasil, em referência à entidade que orientou Zélio a fundar a religião.

Espíritos tristes

    A notícia também surpeendeu a mãe de santo Lucília Guimarães, do terreiro do Pai Maneco, em Curitiba, Paraná. Na década de 1990, ela veio ao Rio para pesquisar as origens da religião.
Imagino que até os espíritos estejam tristes. É uma pena — lamenta ela.
    Há mais de cem anos com a família de Zélio, o imóvel onde surgiu a umbanda foi vendido recentemente para o militar Wanderley da Silva, de 65 anos, que pretende transformar o local em um depósito e uma loja.
Eu nunca soube que a casa tinha essa história. Mas agora já comprei, investi, não posso deixar de demolir — explica-se.
    Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), nunca houve um pedido de tombamento do imóvel. A antiga casa de Zélio também não é protegida pelo governo estadual ou pela Prefeitura de São Gonçalo.
    De acordo com a última avaliação do IBGE, feita no Censo 2000, o Brasil tem quase 400 mil umbandistas. A religião está em todos os estados do país e também no Uruguai, Paraguai, Argentina, Portugal, Espanha e Japão.

Tudo acabou’

     O terreiro de Zélio de Moraes — que recebeu o nome de Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade — funcionou por pouco anos em São Gonçalo. Os primeiros umbandistas mudaram-se logo para o Rio de Janeiro.
Primeiro, o centro funcionou na Rua Borja Castro, na Praça Quinze. A rua foi extinta, na década de 1950, para a construção da Perimetral. Dali, foram para a Avenida Presidente Vargas. O imóvel também foi demolido, dessa vez para dar lugar ao Terminal Rodoviário da Central do Brasil.
    Uma nova mudança e mais uma demolição. A casa 59 da Rua Dom Gerardo, em frente ao mosteiro de São Bento, virou um estacionamento.
Tudo acabou, eram prédios muito antigos. Lamento que o último registro também vai desaparecer. Mas o mais importante é que os ensinamentos do meu avô se perpetuem — pediu a neta de Zélio, Lygia Cunha, que hoje preside a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade. O terreiro agora funciona em uma sede própria, em Cachoeiras de Macacu, no interior do estado.

Capela de São Pedro

    Antes de ser vendida, a casa onde nasceu a Umbanda abrigou uma capela católica. A última moradora do imóvel, uma descendente de Zélio que é muito católica, cedeu o espaço para os devotos. Quem administra a igrejinha — que também mudou de endereço — é dona Geraldina dos Santos, de 74 anos.
Não tenho preconceito, não. Todos somos filhos de Deus. Se a religião nasceu lá, a casa devia ser preservada. É importante — disse.

Umbanda é o retrato do Brasil, diz pastor

    A umbanda é um retrato da alma brasileira, e seu patrimônio deve ser muito bem cuidado porque é parte da riqueza cultural do Brasil. Essa é a opinião do teólogo e pastor presbiteriano da Igreja Reformada Ecumênica, Alexandre Marques:
A umbanda é uma religião de profunda tolerância por ser, sobretudo, ecumênica. Em seus templos, há imagens de Jesus, respeito à Bíblia, às tradições do Nordeste. É uma religião que consegue congregar elementos diversos, justamente porque representa um retrato da alma brasileira. Nosso povo é profundamente mestiço e congregador.
Lição de democracia
Para o pastor, o respeito às tradições e a capacidade de diálogo e tolerância com as religiões são atos que preservam o espírito democrático do país inteiro:
Todo o patrimônio religioso deve ser respeitado como monumento. Cada templo é uma referência porque mostra raízes distintas, mas que enriquecem o povo inteiro. Seja um centro espírita, uma catedral católica, uma igreja evangélica, um terreiro de candomblé.


Prefeitura de São Gonçalo poderá tombar terreno onde nasceu a umbanda

    A luta da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa pela preservação da história da umbanda em São Gonçalo, município onde nasceu a religião, deu um passo decisivo ontem. Após quatro dias de tentativas, as portas da prefeitura da cidade se abriram para os religiosos.
No encontro com o chefe de gabinete da prefeita Aparecida Panisset, Eugênio Abreu, foi protocolado um documento pedindo tombamento do solo onde ficava a casa considerada berço da umbanda, vendida e demolida para a construção de uma loja. No local, foi realizada a sessão que fundou a religião, liderada pelo médium Zélio de Moraes, em 1908. Hoje, só há escombros do pequeno imóvel localizado na rua Floriano Peixoto, em Neves.
Se você derruba o imóvel, ele pode ser reconstruído. A secretaria da Presidência da República se comprometeu, caso a prefeita ceda, articular a formação do Museu da Umbanda junto ao Ministério da Cultura — disse o babalaô Ivanir dos Santos.
Terreiro preservado
O pai de santo Cristiano de Oxalá também contou o drama que viveu após ver o Centro Espírita Umbandista Caboclo Pena de Ouro, fundado por seu pai, em Sacramento, ser desapropriado pela prefeitura em 2010. No terreno, seria construída uma vila olímpíca. Abreu explicou que o projeto mudou e o templo religioso será preservado.
Eu nasci nessa casa, aqui moram minha mulher e minhas filhas. Pedi demissão de meu emprego, em São Paulo, para vir defender minha família e meu solo sagrado. Quero ver esse novo projeto. Essa propriedade é patrimônio da minha família. Não quero que um oficial de justiça apareça um dia me mandando sair daqui — reclamou Cristiano.


Nenhum comentário:

Postar um comentário